CIDADE

O que diz a lei sobre banheiros "multigêneros" e linguagem neutra em Uberaba?

Advogada explica sobre os assuntos perante a legislação brasileira

Letícia Marra
Publicado em 26/09/2022 às 07:18Atualizado em 17/12/2022 às 16:30
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Em Uberaba, assuntos relacionados à população LGBTQIAP+, como utilização de banheiros multigêneros e linguagem neutra nas escolas, estão em alta e são constantemente debatidos. Mas, afinal, pode ou não proibir a criação de banheiros unissex, para todos os gêneros? A linguagem neutra nas escolas deve, legalmente, ser impedida?

Recentemente, na Câmara Municipal de Uberaba, foram discutidos dois projetos, que têm pareceres de inconstitucionalidade e discursam sobre normativas relacionadas à Comunidade LGBTQIAP+. A advogada e presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB 14ª Subseção Uberaba, Milena Callegari, explica sobre o assunto de acordo com a legislação brasileira.

Um dos projetos é a respeito da utilização de banheiros multigêneros na cidade. O Projeto de Lei nº. 637/2021, de autoria do vereador Pastor Eloisio dos Santos, dispõe sobre a proibição de instalação de banheiros unissex públicos e privados no município de Uberaba. Mesmo com o parecer de inconstitucionalidade, o legislativo votou e aprovou o PL.

De acordo com Milena Callegari, outras cidades no Brasil também discutiram sobre o mesmo projeto, mas no entendimento dos tribunais superiores, estão sendo barradas pela inconstitucionalidade. “De acordo com a Resolução 12/2015, as pessoas transgêneros e transexuais têm direito a utilizarem os banheiro que estão de acordo com a sua identidade de gênero. Portanto, é uma lei inconstitucional tanto no conteúdo quanto na forma, porque enquanto a normativa não tem força de lei, são parâmetros federais . É uma lei que pode gerar preconceito, que pode gerar violência, que pode gerar ódio a travestis e transexuais e isso foi reconhecido como crime pelo STF, como equiparação ao racismo, além de violar a dignidade humana”, explica.

A advogada ainda pondera que o projeto de lei prevê multa para estabelecimentos que não tiveram essa proibição, o que também é considerado inconstitucional, já que algumas escolas e estabelecimentos públicos não têm essa diferenciação e isso geraria gasto para istração pública.

Outro ponto que Callegari esclarece é sobre é sobre pessoas transgêneros serem denunciadas por utilizarem o banheiro que se identificam. “Se ela for denunciada, tem que ver no que ela vai ser enquadrada, porque a lei dos banheiros gera multa para os estabelecimentos, não fala nada sobre multa ao cidadão ou cidadã que entrar em um banheiro. Inclusive, na minha concepção, proibir uma pessoa transgênero de entrar em um banheiro conforme a sua identidade de gênero é sim um crime de transfobia e homofobia e está amparado pelo entendimento dos tribunais, bem como essa resolução 12/2015 da Secretaria dos Direitos Humanos”, pontua.

O referido ato dispõe que “deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito” (art. 6º).

Entretanto, a profissional conta que se uma pessoa trans se sentir afetada por uma lei inconstitucional, ela pode denunciar e buscar amparo nas decisões dos tribunais, para obter uma sentença individualizada.

Já no projeto de lei nº 622/202, também de autoria do vereador Pastor Eloísio dos Santos, ficou vedada a aplicação de qualquer forma de ensino, fomento e outras formas de utilização da denominada “linguagem neutra”, ou similares na grade curricular, em todos materiais didáticos de instituições de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, públicas e privadas e em qualquer documento oficial, seja ele físico, virtual ou em redes sociais do ensino público municipal.

De acordo com Milena Callegari, esse PL também é inconstitucional porque o Município não pode ser maior que a União, nem tem a mesma competência legislativa. "A gente entra no campo de educação e linguagens, eles estão proibindo neologismos, está proibindo a língua de evoluir e de se transformar, está proibindo a liberdade de expressão, está determinando o que você pode ou não dizer, isso é censura prévia. Além disso, na educação, a competência legislativa municipal não pode violar os princípios e diretrizes estabelecidos pelo legislativo federal”, explica.

A presidente da Comissão na OAB ainda esclarece que, de acordo com o Artigo 206, a respeito das diretrizes da educação, o ensino será ministrado com base nos princípios de igualdade de condições para o o e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; e pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino.

Hierarquia. Milena Callegari ainda contou sobre o caminho que um projeto de lei deve seguir e aponta que a aprovação de uma lei inconstitucional é uma afronta, do ponto de vista formal. “A competência do município de legislar, nesse caso, não é maior que a da União, tampouco pode suplantar normativas federais e princípios e normas constitucionais. O processo legislativo municipal funciona da seguinte forma: uma lei é votada no Legislativo e o chefe do Executivo, no caso a prefeita Elisa Araújo, tem até 15 dias para promulgar ou vetar. Em caso de omissão do executivo, a lei volta e o presidente da Câmara decide se aprova ou não. Como o caso da lei dos pronomes neutros, que ela não se pronunciou, e foi promulgada pelo vereador”, termina. 

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