Em uma espécie de #TBTliterário, acordei um livro adormecido na estante há um bom tempo. A “História de Mora, a Saga de Ulysses Guimarães”, escrito por Jorge Bastos Moreno, jornalista de quilate, colunista de O Globo e com tantas atividades na grande mídia exercidas até o fim de sua vida, em junho de 2017. O livro é uma delícia. Narrado por Mora e captado pela escrita de Moreno.
Dona Mora nasceu Ida Maiani de Almeida, mas, por ser a mais morena das netas, sua avó a apelidou de Mora e ela nunca mais usou o nome de batismo. Mora Guimarães é narradora testemunha das crônicas que tem seu marido, Ulysses Guimarães, como personagem central em sua busca “odisseica” pela democracia.
Conhecer Ulysses pela ótica de Mora é primoroso, porque nos revela Ulysses confidente em sua vasta atuação política e extensa trajetória. Mora narra com naturalidade cativante a história de um dos maiores políticos que o Brasil experimentou. “Nunca houve outro político brasileiro, em qualquer tempo, que mais tenha cobrado e denunciado as atrocidades praticadas pela ditadura do que Ulysses Guimarães. Daí o seu arrebatador caso de desamor com os militares”, com essa sentença de Dona Mora, vem o capítulo 31, “A história é incensurável”, que assim se inicia: Dilma abriu seu discurso de instalação da Comissão da Verdade dizendo que Ulysses, se lá estivesse, ocuparia lugar de destaque na cerimônia. “Meu marido, de fato, sempre ‘carregou’ seus mortos nos palanques e nas tribunas oficiais”.
Dona Mora prossegue com uma das tantas intervenções célebres do Dr. Ulysses: “Nossos mortos, levantem-se de seus túmulos. Venham aqui e agora testemunhar que os sobreviventes não são uma raça de poltrões, de vendidos, de alugados, de traidores”. “Venham todos! Venham os mortos de morte morrida, simbolizados em Juscelino Kubitschek, em Teotônio Vilela, em Tancredo Neves.” “Venham os mortos de morte matada, encarnados pelo deputado Rubens Paiva, o político; Vladimir Herzog, o comunicador; Santo Dias, o operário; Margarida Alves, a camponesa. Não digam que isso é ado. ado é o que ou. Não ou o que ficou na memória, ou no bronze da história.” É nesse bronze que permanecerá Ulysses, insubstituível. Hoje seria um beduíno a guiar pelo deserto de ideias e proliferação arenosa do personalismo.
“Amo tanto a minha mulher que, se houver outra encarnação, já quero nascer casado com Mora”. Por estranha ironia, o mar separou Mora de Ulysses. Ulysses mora no mar e continua inspirando os que sonham com Ítaca. Mora nunca deixou de habitar Ulysses. No dia 12 de outubro de 1992, morreram, em acidente aéreo de helicóptero, cinco pessoas: Ulysses Guimarães, Dona Mora, ex-senador Severo Gomes, sua esposa, Henriqueta, e o piloto. Ulysses foi o único não encontrado.
Luiz Cláudio dos Reis Campos