No final dos anos 80, um personagem dos quadrinhos ganhou o mundo, refletindo e satirizando os absurdos da vida corporativa. O público se acostumou a rir das situações impossíveis e acompanhou o crescente cinismo defensivo de Dilbert, o engenheiro de software.
Visualmente, as histórias do infeliz Dilbert nem eram assim tão atrativas, mas o conteúdo mais do que compensava. Atrás dos quadrinhos, vieram coletâneas e vários livros, já que o autor, Scott Adams, tinha muito a dizer.
Adams escrevia sobre sua experiência profissional, ainda que de forma ficcional e jocosa, deitando no papel muitas das situações inacreditáveis que viveu, presenciou ou conheceu ao longo de sua carreira bem-sucedida em grandes corporações americanas.
Mais recentemente, Adams foi pioneiro na leitura do ambiente público americano, prevendo a primeira vitória de Donald Trump à Presidência em 2016, quando o candidato magnata ainda não era levado a sério.
Em seu podcast diário, ele acostumou a audiência a um cafezinho sincronizado, o “pequeno gole simultâneo”, prenúncio de reflexões sempre originais e quase sempre certas. Pois essa era está chegando ao fim.
Na esteira do anúncio de que o ex-presidente Joe Biden tem um câncer de próstata metastizado, Adams aproveitou o momento para quase deslizar a informação de que ele, Adams, tem a mesma doença.
Explicou que já vem se tratando desde há algum tempo; tentou tudo o que era possível e ível aos melhores cuidados médicos do mundo, sem êxito. A perspectiva é que ele não sobreviva ao verão que, onde vive Adams, termina em dois meses.
Apresentou toda essa informação quase casualmente, sem mudar o tom nem o estilo, sem drama nem paixão. Não é que esteja indiferente ao próprio quadro; certamente ele não parece feliz, mas enfrenta o momento com graça e honra viril. Desde então, os fãs têm se derramado em manifestações de solidariedade, oferecimentos de ajuda e declarações de iração.
Em tempos em que pipocam vídeos de pessoas se indignando por trivialidades, em que se movem processos por nomes feios, em que se normalizam surtos públicos, Adams anuncia seu epílogo e, quem sabe, possa inaugurar uma nova era de elegância.